Na manhã clara, o som de um piano tocando noturnos de Chopin. Uma leve brisa sacudindo as cortinas da janela. Gerânios em flor, completando o cenário de um dia comum, normal.

Os primeiros sons da manhã começam com as carrocinhas dos leiteiros atendendo aos fregueses, e os motores dos caminhões aquecendo-se para as longas viagens, em suas nobres missões. Depois, a algazarra da garotada a caminho das escolas, e a manhã vai ficando mais barulhenta e movimentada.

Mulheres lavam roupas e as estendem nos varais. Um espaço, porém, para o chimarrão e as conversas por cima do muro. É assim que as notícias se propalam. Desde o preço da cesta básica até as fofocas da vizinhança.

Seu Bráulio, cachaceiro, e a pobre da mulher e dos filhos sofrendo suas agressões. A mocinha que passou a noite fora. Noivas nas costureiras para experimentarem o vestido do grande dia.

Participações de nascimentos, noivados, casamentos e mortes levadas de porta em porta. “Um criadinho às suas ordens!” era como anunciavam a chegada do pequenino infante.

Seu Frederico, nas suas tentativas de aprender acordeão. “Não dá uma esperança”, diz a vizinha entediada.

O aposentado da esquina correndo com os moleques de sua calçada. Eles danificam o piso com carrinhos de madeira, bicicletas, patinetes. E os jovens da noite tiram o seu sono com as descargas abertas de motos – ou lambretas ‒, dos carros retirados na surdina das garagens da família.

Mas, nos noticiários do dia, aparecem as tragédias. Vulcões em erupção que arrasam cidades e matam; guerras na Europa, na Ásia e na África. Quedas frequentes de aviões, e mortes. Entretanto, tudo isso acontece lá longe. Ficamos com muita pena, que é que podemos fazer? É fato que aqui também não estamos livres dos desastres aéreos, nem de enchentes, nem de crimes hediondos, porém também acontecem mais longe, distantes de nossos dias normais.

Hoje, vivemos em uma aldeia global. Tudo nos diz respeito, não importam as distâncias. Se duas nações, lá na Europa e na Eurásia, entram em guerra, o castigo vem também para nós. Alta vertiginosa dos combustíveis, de insumos para o agronegócio e a indústria, inflação crescendo. O número de desempregados, sem-teto, refugiados – também com nossas próprias calamidades – vem subindo sempre.

A pandemia da Covid-19, que se espalhou por todos os cantos da Terra, não nos poupou. E, para culminar, os nossos desacertos internos, que não nos socorrem desses males, mas, ao contrário, só os agravam.

Diante de tudo isso, eu fico pensando: quando voltaremos aos dias comuns?