Esta hora chega para todas as criaturas deste mundo de Deus: o momento do fim de nossa vida mortal. Imprevista ou anunciada, ela nos deixa um vazio que dificilmente conseguiremos preencher. Aos poucos, a dor aguda da perda vai atenuando a saudade, pois as lembranças dos momentos compartilhados e o calor de nosso mútuo afeto não nos deixarão jamais.

Minha mana Doroty, a nossa querida Doty, partiu para o derradeiro destino, que desejamos seja um lugar de verdes prados, onde ela possa descansar de suas tristezas e alegrar-se na presença de Deus. Ela merece, pois foi a serva fiel que aceitou o sofrimento físico e moral sem uma queixa ou descrença no seu Criador.

Doty foi mais do que uma irmã. Aliás, todos nós, os filhos de nossos pais, nos consideramos também os melhores amigos que temos. Quando em criança, nos brinquedos de faz de conta, estávamos sempre juntas: depois, como colegas na escola primária, nas idas às aulas e lições de casa. Quando tivemos de separar-nos do convívio com os pais para continuar os estudos fora daqui, sentimos unidas a falta do lar. No pensionato, muitas vezes eu a consolava quando a ouvia chorando de saudade da nossa amorosa família.

Acompanhei-a como “chá de pêra” nos tempos de seu namoro e noivado. Ela foi uma moça muito bonita. Quando entrou na igreja para casar, parecia uma noiva de capa de revista.

Nossa tia de Cachoeira achava graça de como nos elogiávamos. “Nunca vi irmãs se admirarem tanto!”, dizia. E a Doty sempre me cumprimentou pelas notas boas na escola. Eu era a cabeça, dizia, e eu lhe retrucava: tu és o coração.

Teve um esposo devotado e atento à fragilidade de sua saúde, que nunca negligenciou os cuidados necessários. Mas as dores da alma – a filha Ana, que nasceu com paralisia cerebral e, mais tarde, a morte trágica do filho e da nora – deixaram marcas profundas na sua vida. Então, só se alegrava quando rodeada por seus familiares, filhos, netos, sobrinhos e nós, suas irmãs, nas visitas diárias, no “veraneio” à sombra das árvores de seu pátio; no inverno, fazendo tricô e rezando o terço nas tardes tristes de chuva ou “lagarteando” ao sol.

Maria Augusta era a que mais entretinha a conversa, com aquele seu carisma que nos encantava. Regina aproveitava os momentos de trabalho dos filhos para acompanhar-nos, até quando um deles vinha buscá-la para o feliz encontro de todos os finais de tarde. Eu era a motorista que as levava ou trazia. Nosso mano Geraldo, morando longe, aproveitava os momentos dessas reuniões para telefonar-nos. Desse modo, a nossa primeira família esteve sempre reunida em torno daquela que mais precisava de conforto.

Até os últimos momentos, seu insistente desejo era ver os filhos, os netos e os bisnetos ao seu redor. E nós, os irmãos, e também os sobrinhos que tinham grande afeição por ela.

Doty não só recebeu, também nos prestou muitos favores. Quando eu fiquei trancada do lado de fora de casa, pois a porta da frente bateu, e as chaves das portas e do carro, bem como o telefone, ficaram lá dentro, foi ela que me salvou, depois que eu telefonei de uma vizinha. Eis que surgiram três carros à minha frente para eu tomar as providências cabíveis. Só faltou chamar os bombeiros, comentamos depois de muitas risadas.

Outra morada esvaziando-se agora. Como pássaros que perderam seu ninho, vamos sentir muita falta, mas não nos faltarão lembranças, doces lembranças desta irmã querida que tanto nos amou e que amaremos até onde puder chegar nosso afeto.