Sempre gostei muito de literatura brasileira, mas comecei a questionar a forma como ela é trabalhada na escola quando, na graduação, estudei Literaturas de Língua Espanhola.

No ensino médio, estudávamos literatura brasileira a partir dos períodos literários, passávamos várias aulas debruçados sobre suas características, seus principais autores, suas principais obras, etc. E o que acontecia? Sobrava pouco tempo para a discussão da obra literária em si.

Quando estudei literatura brasileira na graduação, não era muito diferente, mas, como tínhamos maior carga horária, falávamos mais sobre os livros. Só que, obviamente, eram muitos livros a mais do que no ensino médio, então, não chegava a resolver o problema.

Já em Literaturas de Língua Espanhola, o foco era a obra em si, líamos os livros e os discutíamos em sala de aula. Como eu gostaria de poder trabalhar a literatura brasileira assim, a obra pela obra… Mas enfim, não escrevo essa coluna para reclamar. Conto isso para dizer que, por ser “muita teoria e pouca prática”, a meu ver, lemos muito pouco naquela época.

Mas isso não me impediu de, nesse período, ter descoberto um de meus livros favoritos: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. O que mais me chama a atenção nele é o estilo de escrita do autor, com certo humor por trás de diversas passagens.

O protagonista é Leonardo, quem tem o mesmo nome do pai, diferenciado deste pelo apelido Pataca. A narrativa começa contando como os pais do personagem principal, Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça, se conheceram. E devo dizer que a forma como eles flertaram foi, no mínimo, inusitada. Ah, se essa moda pega… Não sobra um pé inteiro nesse país!

Na sequência, são relatados alguns fatos da infância de Leonardo para mostrar que seu jeito de ser “é de nascença”. Ele foi abandonado pelos pais aos cuidados do padrinho, que queria fazer dele padre, função para a qual não tinha a mínima vocação. Desde criança, havia quem não gostasse de Leonardo e dissesse que ele não prestava.

Dividida em duas partes, a obra se ocupa disso e das histórias de outros personagens na primeira. É preciso um pouco de persistência para vencer os 17 capítulos iniciais (mas não se assuste, cada um deles tem, em média, três páginas). Nesse trecho da história, tudo é muito repetitivo. Mas a situação muda no capítulo 18. A partir daí, tem de tudo: romance, competição com outros pretendentes da(s) mulher(es) amadas, burlas com a polícia, e – claro – o “QI”, que já vigorava na época do rei, que é quando se passa a estória. Memórias de um sargento de milícias é uma obra completa!

 

Referência:

ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Klick Editora: São Paulo, 1998. 178p. (Biblioteca ZH98, 6).

 

P.S.: Nos anos 1990, a Zero Hora lançava as coleções Biblioteca ZH, que consistia na venda de clássicos da literatura brasileira por preços módicos junto a um exemplar no jornal. Infelizmente, atualmente, já não existe esta iniciativa.