A notícia foi publicada no Correio do Povo de 02 de dezembro de 2020: “O doutorando Bruno Ferreira Kaingang será o primeiro indígena a obter o título de doutor pela Universidade Federal do Rio Grande Do Sul (UFRGS)”. Já faz mais de quinhentos anos que o Brasil foi descoberto, e recém um primeiro indígena ascende ao topo da cadeia intelectual dos ditos civilizados em nosso Estado, no RS. Vejam a demora e o esforço dessa criatura para superar o atraso mental e os preconceitos estruturais no meio em que esse quase doutor foi criado, a gigantesca transformação que ele está sofrendo, e as infindáveis dificuldades que ainda vai enfrentar para conquistar o seu espaço na sociedade plural, competitiva e cheia de tabus em que vivemos, mesmo com o advento das cotas raciais.

É preciso querer muito deixar de ser um artesão miserável de beira de estrada para decidir ser diferente dos seus parentes que aceitam a vida ruim que levam porque sempre foi assim, historicamente, porquanto as migalhas do Governo Federal (do Bolsa Família) satisfazem a um sobreviver desses desgarrados da sorte.

Não é diferente com os quilombolas e com os pobres das periferias, das vilas miseráveis onde a sobrevivência de hoje recém começa a admitir um consumismo maior pela aquisição parcelada de eletrodomésticos, TVs, automóveis, etc. Até para isto vem servindo os pequenos ajutórios do Governo na pandemia. Aqueles 600 pilas melhoraram até a casa de muita gente.

Esse Kaingang poderá vir a ser feliz se o Estado lhe abrir uma oportunidade de emprego em sua área de atuação para auferir salário digno e, muito lentamente, levar esperança e informações aos seus pares que sobrevivem na acomodação da ignorância extrema e da pobreza de sempre. Não é fácil enfrentar a escala social para quem não nasceu em berço de cobre. Nem falo de ouro, até porque estão cada vez em menor número em nossa aldeia globalizada.

Há tempos, é dito que mais vale um gosto do que um vintém no bolso. Quer dizer, mais vale uma vida feliz do que riqueza no banco e uma existência de privações voluntárias. Os conceitos de viver bem, evoluindo culturalmente, estão em transformação acelerada. Falo porque já passei por isso e sei o quanto deixa marcas e apresenta desafios renovados a cada quadra superada.

Tomara que o exemplo desse Doutor Kaingang arraste outros de sua tribo para o mesmo caminho, longe das selvas da ignorância e da pobreza da desesperança, na busca da igualdade. Acredito que este seja um dos caminhos possíveis para levar uma vida digna para os nossos primeiros habitantes nacionais. Mas demora, credo!