Passei meus primeiros anos de vida, e até a adolescência, indo e vindo entre Caçapava e Cachoeira. Naquele tempo, elas não se chamavam do Sul. A estrada entre as duas cidades, eu já conhecia de cor cada trecho. A beirada do Rio Jacuí, onde a barca esperava para atravessar o ônibus até a outra margem; as paradas do seu Chunga com aquela sopa gostosa; o armazém do seu Pedro Lima; as Palmas, com a casa das primas Costa, momento em que pedíamos ao motorista que diminuísse a marcha para atirarmos pacotes de roupas ou de revistas que a Dinda e o Dindo – as Seleções do Reader’s Digest – mandavam; a Cerca de Pedra; a Picada onde, em dias de chuva, tínhamos de descer e os passageiros homens se viam obrigados a empurrar; enfim, nada mais me era estranho.

Na infância, em frente à pracinha – na casa ainda alugada da Andrade Neves – tínhamos o nosso “parque de diversões”, com rampas gramadas em que as crianças mais corajosas costumavam rolar; as diversas trilhas para andar de bicicleta ou correr, e mais tarde a pracinha de esporte com balanços, gangorras, escorregador e outros aparelhos. Na vizinhança, minha primeira amiga cachoeirense, Maria Elga. Em Caçapava, eu tinha outra, a Bimbinha, apelido de Alba. Dadá, para me ver braba, costumava dizer que a última era feia, e eu enfurecia.

Quando o cinema, um velho barracão, foi abaixo, substituído pelo majestoso Coliseu da Rua Sete, lembro que procurávamos nos destroços alguma pista dos artistas que nos encantaram nas telas.

A primeira escola de minha vida, o Externato de Jesus Crucificado – das Irmãzinhas Missionárias –, foi onde aprendi a ler, e me preparei para a 1ª Comunhão na Igreja Matriz, que hoje é a sede do Bispado.

Depois, a família voltando a Caçapava, vinda do Passo S. Lourenço, onde papai trabalhou como contador de um Engenho de Arroz, eu e Doty, minha irmã, colega e companheira, sofremos bulliying no Colégio das Freiras por nos considerarem “diferentes”. Só nas últimas séries do Curso Primário é que fizemos algumas amizades.

Na verdade, Cachoeira era muito mais adiantada e moderna que a nossa cidade. Lá, havia água encanada, banho quente, cinema moderno com piso em declive para facilitar a visão dos espectadores da fila de trás, filmes que não se interrompiam como os do Mirandinha, que nos faziam voltar noutra noite para saber os finais; senhoras elegantes nos teatros, missas, bailes, festas de casamento e em toda a parte. As casas tinham estilo daquelas dos filmes americanos, com todas as comodidades e lindas decorações.

Nas férias do Curso Secundário – Caçapava ainda não tinha Ginásio – era com muita saudade e alegria que eu chegava a casa de meus pais, com água tirada do poço, ou de pipas, colchões estofados de palha, que a gente tinha que sacudir e ajeitar para ficarem planos, mobiliário modesto, mas um fogão de calorosas chamas, que nos agrupava em torno da mesa para confraternizar, contar nossos feitos e saborear a comidinha caseira que já era para nós uma homenagem de carinho. Feijão com charque, carne frita com mandioca, quibebe, guisadinho com farofa e ovo cozido, cada dia era apresentado o prato preferido de um de nós. E os doces! De abóbora, pudins e cremes com ameixa, bolos…

Quando voltava a Cachoeira, a sensação era que ainda me sentia em casa, carinhosamente acolhida, com meu lugar reservado à mesa, a sala-quarto onde dormia e, de dia, fazia minhas lições, com a escrivaninha do Dindo, a máquina de escrever Underwood, a gaveta de cima era da Dinda e seu papel de cartas, cartões e agenda de endereços. Minha tia mantinha grandes amizades e se correspondia com todas.

Por isso, eu me sentia uma privilegiada, com dois pares de pais, duas casas e dois estilos de vida. Ou melhor, os programas é que eram diversos, mas eu seguia sendo a mesma de sempre.

Até hoje, eu me sinto meio-caçapavana e meio-cachoeirense, e me orgulho de minha cidade natal, que agora pode ombrear-se com a sua vizinha; está constantemente nas manchetes como cidade histórica, progressista, com boas lideranças sociais e empresariais, e as casas comerciais com modernas fachadas e instalações enfeitando as ruas. Nossos conterrâneos têm sido destaques nas artes, no esporte, nas iniciativas para a promoção da sociedade, ultrapassando fronteiras do Estado, do país e do mundo.

Sou bairrista de duas cidades, e não admito que alguém fale mal de uma ou da outra, só acolho e concordo com elogios. Vai longe o tempo de encomendas para outras cidades daquilo que nos faltava. Temos tudo aqui. Produtos da agroindústria, da moda, tecnologia, escolas, campus universitário, e muito mais em exemplos de tradição e honradez.

No entanto, Cachoeira continua ocupando um espaçoso lugar no meu coração.