Em 2016, fiz uma matéria em que estudamos apenas ficções brasileiras que não eram comumente tratadas no currículo. Segundo a professora, isso não foi proposital, mas as obras escolhidas reuniam diferentes manifestações das agruras do ser humano. Desses textos, dois me tocaram mais: Quarto de despejo, sobre o qual já falei aqui, e “Menina a caminho”, conto de Raduan Nassar incluído no livro Menina a caminho e outros textos, que traz também mais quatro estórias deste autor.

O que acontece a essa menina mexeu tanto comigo que nem li os outros contos. Até algumas semanas atrás, quando encontrei o livro. Acabei lendo apenas os quatro contos que não havia lido da primeira vez; o da menina, não tive coragem. Sobre ele, que abre essa coletânea, posso dizer que é bem maior que as outras estórias, ocupando quase metade das páginas com algo que, infelizmente, acontece a várias crianças, embora muitos prefiram fechar os olhos e fingir que não. Uma coisa interessante sobre a construção desse conto é que ficamos com a sensação de estarmos vendo um filme. É como se uma câmera seguisse a menina enquanto o narrador fala.

À “Menina a caminho”, segue-se “Hoje de madrugada”, que relata um momento na vida de um casal. São pessoas mais velhas que passam por uma fase fria na relação.

O terceiro conto, “O ventre seco”, é narrado por um homem que se diz manipulado por uma mulher mais jovem. O texto é escrito como se ele falasse diretamente a ela, “quebrando as correntes”, se libertando.

“Aí pelas três da tarde” é o quarto. Ele é bem curto, mas me fez pensar bastante. Levei mais tempo para refletir sobre ele do que para lê-lo. É narrado por alguém que dá um conselho a outrem. Mas levei tempo para decifrar que conselho é esse. Deixarei que você o interprete à sua maneira.

O último conto é “Mãozinhas de seda”, que traz uma crítica a intelectuais que “ficam em cima do muro”. O texto já começa com o narrador dizendo que, para ele, “a maior aventura humana é dizer o que pensa”. A partir daí, é feita a crítica.

Algo que me deixou feliz e me fez perceber que não havia problema em ler, naquela época, os quatro contos restantes da coletânea é o fato de que nenhum deles é tão pesado quanto “Menina a caminho”.

 

Referência:

NASSAR, Raduam. Menina a caminho e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 92p.