Há muito tempo não acompanho novelas. Talvez por isso, quando li Anatomia do paraíso, de Beatriz Bracher, comparei o retrato do Rio de Janeiro que ela traz com o mostrado nas novelas do final dos anos 1990/início dos 2000. Manoel Carlos sempre trazia uma Helena como personagem principal, classe média-alta, morando no Leblon – se alguma morou em outro bairro, não lembro – e vivendo algum drama. Quando uma novela mostrava uma praia, estavam lotadas de pessoas bonitas e felizes, se divertindo, “cada mergulho é um flash!”, como diria uma personagem de “O Clone”. Mas será que não há nada mais?

Me arrisco a afirmar que há. E talvez se tenha percebido isso. Atualmente, apesar de não acompanhar as novelas, o pouco que vejo me permite saber que a moda é subir o morro, contar o que se passa na favela. Mas não sei até que ponto a forma como essas diferenças são mostradas não aparenta que a situação é oito ou oitenta: de uma forma no morro e de outra “no asfalto”.

Porém, o espaço é curto e só posso me aprofundar na questão que me trouxe aqui: acontece muita coisa ruim em Copacabana, a vida não é aquela “maravilha” que se mostrava nas novelas, com seus finais em que tudo se resolvia e todos ficavam felizes. A vida real não é assim, e já há algum tempo que a literatura e também o cinema buscam mostrar essa realidade.

Mas por que cito Copacabana e não Leblon, Barra da Tijuca, Ipanema ou qualquer outro bairro? Porque é nesse que se passa Anatomia do Paraíso. A obra vai acompanhar o dia a dia de dois personagens, Félix e Vanda. Ele é um estudante de mestrado escrevendo uma dissertação sobre o livro pelo qual é obcecado: Paraíso Perdido, de Milton. Ela, grávida, se divide entre dois empregos – um deles no Instituto Médico Legal (IML) – os estudos para o vestibular de Medicina e os cuidados com a irmã mais nova.

As coisas começam meio devagar, algumas partes sobre Félix são até um pouco chatas, o que se compensa com a dinamicidade da história de Vanda. Entretanto, mais ou menos da metade do livro pro final, tudo começa a fluir e, a cada virada de página, é um tapa na cara diferente. A realidade é jogada e o leitor que lide com isso, que lide com saber que aquilo ali acontece mesmo, e pode estar acontecendo enquanto ele lê aquele livro na tranquilidade e no conforto de sua casa.

Em um primeiro momento, até pela sinopse da obra de Beatriz Bracher, interpretei o título como um jogo com os dois focos da trama: anatomia em referência ao trabalho de Vanda no IML, e paraíso relacionado ao objeto de pesquisa de Félix. Agora que já acabei a leitura, abro uma nova possibilidade, que de modo algum exclui a primeira. Penso que Anatomia do paraíso tem mais a ver com a forma com que se lida com o espaço (que podemos considerar o paraíso), como se ele fosse analisado como fazem com os corpos no IML – o que é bem detalhado na obra.

 

Referência: BRACHER, Beatriz. Anatomia do paraíso. 1ed. São Paulo: Editora 34, 2015. 328p.