Talvez quem sempre morou em uma casa não vá entender, mas tenho quase certeza de que quem já morou em apartamento sim. Ter alguém “acima da nossa cabeça” pode ser enlouquecedor. E não, o vizinho da casa ao lado ou em frente fazendo festas, muito barulho mesmo, de todos os tipos, não é a mesma coisa. Posso afirmar porque já vivenciei as duas experiências.

Eu me considero uma pessoa muito azarada no quesito “vizinho de cima”. Por exemplo, tive uma vizinha que usava salto alto o dia inteiro. Mas o dia inteiro mesmo! Sete da manhã e o barulho daquele salto de um lado pro outro no apartamento. Meio-dia, a mesma coisa, e de noite… Até hoje me pergunto como que ela não cansava. E não, não sei se realmente era alto, mas, na minha cabeça, é assim que me lembro. Porque a gente imagina coisas e toma isso como se fosse a realidade. Outro exemplo é o vizinho com as mãos furadas. Na minha cabeça, as mãos dele tinham um buraco bem no meio da palma. Isso porque ele deixava tudo cair, principalmente moedas.

Por essas e outras experiências, quando li Gog Magog, de Patrícia Melo, entendi o que sentia o protagonista, um professor – ora, vejam só… –, com relação ao seu vizinho de cima, Ygor, apelidado de senhor Ípsilon. Risadas, conversas, música, tudo irritava o protagonista. E ele tinha certeza de que o vizinho sabia disso, e fazia cada vez mais barulho só para irritá-lo ainda mais. Qualquer coisa que ele precisasse de concentração para fazer, como planejar aulas ou corrigir provas, lá vinha o vizinho fazer barulho.

E não só isso, todo e qualquer ato de Ygor é friamente calculado para causar problemas na vida do professor, como quando roubou sua gata. (Mas será que ele roubou?) Ou quando o protagonista tentou invadir o computador do senhor Ípsilon, mas Ygor tinha colocado uma senha justamente para que ele não pudesse acessá-lo! (Por que o vizinho teria essa motivação? E o que o professor fazia com o computador dele? Como o conseguiu?) Ou o pior: o vizinho comprou uma arma para matá-lo! (Mas por que diabos o vizinho iria querê-lo morto?)

Bem, acredito que já deu para ver que o protagonista não é a pessoa mais equilibrada desse mundo (ou de qualquer outro…). Mas não apenas nós, leitores, percebemos isso, sua família também. Assim, a esposa se separa dele, e a relação com a filha estremece. Aonde essa paranoia vai levá-lo?

 

Referência: MELO, Patrícia. Gog Magog. 1ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. 174p.

 

P.S.: Deixo aqui meu agradecimento ao sr. Pedro Vanolin Macedo, que me presenteou o livro Viva a generosa nação rio-grandense: FarrapoFest: Caçapava revive a História, organizado por ele e escrito por várias mãos – que o pequeno espaço me impede de citar – para contar como surgiu a FarrapoFest, evento que ocorreu em Caçapava entre o final dos anos 1990 e o início dos 2000. Também há relatos de algumas “situações de bastidores”, como quando alguns membros da organização foram atacados por um enxame de abelhas africanas durante limpeza em um ponto turístico, ou quando um deles foi picado por uma cobra venenosa e precisou ser hospitalizado.