Lá pelo final de outubro do ano passado, durante a campanha eleitoral, ganhei um gatinho lobuno, meio cinzento, meio esbranquiçado, bem novinho, com um mês de vida quando muito, da esposa do Seu Chico, que tem uma reciclagem na Rua do Aterro. Comentaram que a gata deles havia parido seis machinhos e que eu poderia levar todos se quisesse. Trouxe um que logo virou mimo da casa pelas características de docilidade e estripulias, parecendo uma criança nas suas brincadeiras e com a mania de miar todas as manhãs na janela do quarto, pedindo para deitar em cima das cobertas da cama ainda não arrumada.

Minha filha logo descobriu que o gatinho, na verdade, era uma gatinha, e passou a chamá-la de Shelby, nome que lhe caiu como uma luva e deu ainda mais simpatia à pequena mascote. Com a chegada do inverno, a gatinha passou a dividir com o Bustico – o pinscher – o lugar mais aconchegante da frente da lareira, ocorrendo então algumas escaramuças na disputa das acomodações preferidas.

Meu pai, se fosse vivo, diria que “gente boba é gente de cidade” e que eu, depois de velho, sem ter muito o que fazer, estaria perdendo meu tempo com essas bobagens de contar estórias de gatos, cachorros, enfim, assuntos sem importância!

Justo neste ponto é que me refiro: estamos há mais de um ano limitados em movimentos e relacionamentos, meio que reclusos pelas casas, prejudicados em nossas relações familiares e de amizades, socialmente estagnados e inoperantes. Há que buscar alternativas para se distrair e ocupar o tempo (no caso dos idosos aposentados), alguns sem a presença de filhos e netos, sem viagens, sem férias, sem festas ou reuniões. Existe, também e principalmente, um temor maior que se torna alarmante e pernicioso a cada vez que sabemos da morte estúpida de um amigo ou pessoa conhecida que não teria morrido se não houvesse essa desgraça que infectou o mundo como uma peste devastadora e de difícil reversão.

Ansiamos pela normalidade, e a cada dia a vemos possível, mas ainda insegura e sem previsões confiáveis. Há muita gente entrando em depressão, perdendo o controle da situação. Nem todos podem ou sabem como proceder diante da doença e da crise econômica que já bate às portas dos menos aquinhoados, que precisam trabalhar e são obrigados a expor os “seus” face à necessidade de ganhar o pão de cada dia. E, no inverno, a coisa piora nas casas pequenas, onde o calor humano é ainda mais necessário. Ali, a aglomeração é inevitável, e o seguimento das medidas de proteção acaba relegado a segundo plano por falta de alternativas possíveis.

Pois nossa gata, às vezes, some à procura de afeto, sem máscara, encarregada de aumentar a família e de nos presentear com mais distrações nestes tempos de perda de oportunidades. Uma noite dessas passadas, fui resgatá-la, já alta noite, sobre o telhado do vizinho de onde não sabia descer. É, se foi a gata sem cinta… para o mundo.