O Jornal Gazeta conversou com o Juiz Eleitoral e Juiz de Direito Diretor do Foro de Caçapava do Sul, Diego Carvalho Locatelli, formado em Direito e Especialista em Processo Civil, para esclarecer algumas dúvidas que a população tem expressado em relação as eleições municipais de 2020.

O Congresso Federal promulgou a Emenda Constitucional nº 107, que adia, em razão da pandemia da Covid-19, as eleições municipais de outubro de 2020 e os prazos eleitorais respectivos. O primeiro turno acontecerá em 15 de novembro e o segundo turno será no dia 29 de novembros, mas além disso diversos outros fatores tiveram de ser adaptados para a atual situação de pandemia e isolamento social. Confira:

Protocolos no dia de votação:

O Tribunal Superior Eleitoral ainda expedirá regulamentação acerca dos protocolos sanitários no dia da votação, porém, já sabemos que o horário de funcionamento das urnas será ampliado, com horário preferencial para o grupo de risco, ocorrerá higienização com álcool-gel antes e depois do uso da urna e será fixada distância mínima entre os votantes. É bem possível, igualmente, que o sistema de biometria não seja utilizado, uma vez que a higienização do equipamento entre cada votante poderia aumentar, em muito, o tempo do processo de votação

Propaganda eleitoral nas mídias sociais:

A campanha eleitoral migrou das ruas para as telas de computadores, tablets e telefones celulares. Isso ficou muito evidente nas eleições do ano de 2018 e certamente será ainda maior no pleito desse ano, considerando as medidas de distanciamento social decorrentes da pandemia de COVID-19.

A campanha através de mídias sociais é permitida, porém, devem ser observadas as regras previstas na Lei das Eleições (artigos 57-A a 57-J) e em resoluções do Tribunal Superior Eleitoral referentes à propaganda na internet. É preciso, por exemplo, que, no ato do registro de candidatura, o candidato informe os endereços eletrônicos em que fará campanha, motivo pelo qual, se for fazer propaganda através de mídias sociais, deverá informar o endereço de seus perfis no Instagram, Twitter etc. Candidatos e partidos precisam ficar atentos às novas regras, pois as irregularidades podem gerar multas de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00.

Impulsionamento:

Uma das novidades desse ano é a possibilidade de os candidatos fazerem uso de ferramentas de impulsionamento. A Justiça Eleitoral está qualificando servidores e juízes para tratar dessa área, sobretudo porque envolve conhecimentos específicos em marketing digital e tecnologia. Tanto durante a campanha quanto na fase de prestação de contas, a fiscalização será rigorosa, sobretudo porque, nas eleições de 2018, ocorreram diversos abusos, como candidatos que se valiam de recursos tecnológicos para vincular sua propaganda quando o eleitor procurava na internet pelo nome de outro candidato. Além disso, a realização de impulsionamentos em desconformidade com a legislação eleitoral, em especial no tocante aos gastos da campanha, pode configurar outros ilícitos, como “Caixa 2”. Felizmente, algumas plataformas estão colaborando, como o “Facebook”, que já criou ferramenta específica de impulsionamento para fins eleitorais, facilitando o uso para candidatos e a fiscalização pela Justiça Eleitoral.

Pré-campanhas:

De acordo com o art. 36-A da Lei das Eleições, os candidatos poderão praticar determinados atos de pré-campanha sem caracterizar propaganda antecipada, como participar de entrevistas e expor posicionamentos políticos, inclusive em mídias sociais, desde que não haja pedido explícito de votos ou, de acordo com a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, não façam uso de expressões ou palavras (“magic words”) equivalentes a pedido de voto.

Aqueles que já ocupam cargo eletivo ou são agentes públicos precisam também observar as condutas que são proibidas pela legislação, como o uso desvirtuado de publicidade institucional como propaganda eleitoral. As punições para essas condutas são variadas, podendo até mesmo caracterizar improbidade administrativa, ensejando pena de suspensão dos direitos políticos.

Especificamente quanto à pandemia, é importante que os agentes públicos informem a população acerca das ações e medidas de combate ao coronavírus, todavia, essa publicidade não pode ser abusiva, ao ponto de implicar mera promoção pessoal do pretenso candidato, algo que deverá ser analisado em cada caso concreto. Valer-se da pandemia só para atingir fins eleitorais, além de ilegal, é falta de humanidade, pois é construir palanque sobre os túmulos de mais de 60 mil brasileiros que padeceram dessa trágica doença.

Fake news:

As notícias falsas (fake news) no âmbito das eleições não são uma novidade, tanto que o Código Eleitoral, que é da década de 60, já previa como crimes as práticas de calúnia, difamação e a injúria com fins eleitorais. Ocorre que, com o avanço da tecnologia e a popularização de acesso à internet, ficou muito mais fácil a qualquer pessoa má intencionada produzir e/ou divulgar fake news ou criar perfis fakes para prejudicar seus opositores. A punição pela criação e divulgação de fake news varia conforme a conduta praticada. Por exemplo, inventar, na propaganda eleitoral, que algum candidato cometeu algum crime caracteriza-se como calúnia e pode levar à prisão de seis meses a dois anos (art. 324 do Código Eleitoral). Recentemente, foi criminalizada a conduta de contratar pessoas para ofender ou denegrir a imagem de candidato, delito este que implica prisão de dois a quatro anos, além de multa, que pode chegar a R$ 50.000,00 (art. 57-H, §1º, da Lei das Eleições).

Ressalta-se que a punição não é apenas para quem cria o perfil fake ou as fake news, podendo alcançar também aquele que compartilha a informação inverídica de forma dolosa (ou seja, de forma intencional ou assumindo o risco de produzir o resultado). Por isso, os eleitores, antes de compartilharem qualquer notícia, sobretudo em aplicativos ou mídias sociais, devem conferir a veracidade do conteúdo, visto que poderão ser responsabilizados.

Além da punição criminal e aplicação de multas, outras medidas são possíveis, como o exercício de direito de resposta e remoção do conteúdo falso.

Apesar de ser um assunto antigo, ainda carecemos de uma legislação moderna e atualizada para combater as fake news no mundo altamente tecnológico em que vivemos. No Congresso Nacional, tramita projeto de lei visando a regulamentar o tema, inclusive definindo crimes específicos para quem produz e compartilha conteúdo falso. Se aprovada, a lei poderá surtir efeitos já nas eleições, sobretudo no campo criminal, não podendo, todavia, serem aplicadas normas específicas sobre procedimentos eleitorais, estas as quais só valerão para o pleito de 2022.

Limites da liberdade de expressão:

A liberdade de expressão é um dos pilares da democracia. No entanto, em um Estado Democrático, nenhum direito é absoluto, encontrando limites, notadamente quando confrontado com outros direitos fundamentais, como a proteção à vida e à dignidade. Além disso, todo direito correspondente também a um dever. Assim, por mais importante que seja, o direito à liberdade de expressão não pode servir de escudo para a cometimento de condutas ofensivas a nossos semelhantes, como racismo, homofobia, misoginia ou o discurso de ódio. Tantos os candidatos quanto eleitores devem conferir especial atenção às suas manifestações, porquanto, nos limites da lei, podem ser responsabilizados, civil e criminalmente, por posturas ofensivas, que incentivem a violência ou que promovam inverdades (fake news, perfis fake etc.).

Dentre os crimes que extrapolam o direito de liberdade de expressão e que implicam a responsabilização criminal estão a calúnia (imputar falsamente o crime a outrem), a difamação (imputar falso ofensivo à reputação de alguém) e a injúria (ofensa à dignidade ou decoro de uma pessoa), além de outros mais graves, como ameaça e racismo.

Evidente, contudo, que é preciso analisar cada caso concreto, visto que a regra é maximizar a liberdade de expressão, de modo que condutas como criticar posicionamentos políticos ou ações dos candidatos são permitidas e saudáveis para manutenção da democracia. Uma coisa é você criticar um candidato por ele ser de esquerda ou de direita; outra bem diferente é você ameaçar que vai espancar o candidato ou familiares dele por conta de seu pensamento político, algo que, lamentavelmente, se viu muito nas eleições de 2018, talvez o pleito de mais baixo nível de nossa história. Críticas, inclusive em tom de humor, são formas de liberdade de expressão; por sua vez, comportamentos violentos ou que estimulem a violência são crimes.

Como denunciar?

Os cidadãos que tiverem conhecimento de eventuais ilegalidades poderão comunicar a Justiça Eleitoral ou o a Promotoria de Justiça (Ministério Público), apresentando provas, ainda que mínimas, dos ilícitos. São vedadas, todavia, denúncias anônimas.

Candidatos, partidos políticos e coligações, a seu turno, poderão ingressar diretamente com as ações respectivas na Justiça Eleitoral, como representações contra a propaganda irregular.

Quando o caso tiver implicações criminais, os ofendidos ou os cidadãos poderão registrar boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia, a partir do qual será iniciada apuração pelos órgãos policiais e pelo Ministério Público, sendo que, se for constatado crime, haverá a aplicação das penas previstas na lei pelo Poder Judiciário.

Importância do voto:

Não é de hoje que muitos se encontram frustrados com a política e pretendem não votar ou anular seu voto como uma forma de protesto. Embora, pessoalmente, eu defenda que o voto não deveria ser obrigatório – pois é um direito, não uma obrigação –, o certo é que, através das urnas, escolhemos nossos governantes (prefeitos, governador e presidente) e aqueles que farão nossas leis (vereadores, deputados e senadores). Logo, se você não está contente com a política atual, possui um instrumento poderoso de mudança, que é seu voto. Não votar ou anular o voto é como jogar roleta-russa para com quem vai gerenciar a administração pública, o que é muito perigoso.

A democracia é a arte de conviver com quem pensa diferente de você. Por isso, peço encarecidamente a todos os eleitores que respeitem as posições políticas contrárias e promovam o debate de ideias, sempre de forma pacífica e não violenta. Nas eleições de 2018, marcadas pela polarização política, foi muito triste ver famílias e amizades rompendo seus vínculos porque seus membros apoiavam candidatos diferentes. Nenhum candidato vale a perda de nossos entes queridos.

 

Por Diego Carvalho Locatelli

Juiz Eleitoral e Juiz de Direito Diretor do Foro de Caçapava do Sul