*por Isabela Brito Oliveira

Apontado como o maior escritor brasileiro, Machado de Assis é assunto em discussão nas redes sociais: negro, até pouco tempo retratado como branco, faz sucesso entre leitores americanos. Para falar sobre o autor e a abordagem de suas obras nas escolas, a Gazeta convidou os caçapavanos Lucas Zamberlan e Rosalilia Torres Delabary, professores de literatura de diferentes gerações de alunos. Traz ainda a opinião de uma uruguaia que se encantou pelos textos machadianos

O sucesso que uma tradução de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, fez nos Estados Unidos, vendendo todos os exemplares no dia de seu lançamento, vem sendo notícia e repercutindo no Brasil. Para comentar o assunto, e também a forma como nos relacionamos com os clássicos da literatura brasileira em nosso país, a Gazeta convidou os caçapavanos Lucas Zamberlan e Rosalilia Torres Delabary, e a uruguaia Milena Alves Borba.

Lucas é doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e atua como professor no curso de Letras da UFSM na modalidade EAD, e como professor voluntário na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Rosalilia é professora aposentada, e referência no ensino de literatura em Caçapava tanto no ensino superior quanto no ensino médio.

Milena nasceu em Melo, no Uruguai, mas mora no Brasil há 10 anos. É graduada e mestra em Letras pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e sua pesquisa de mestrado analisou a presença de Machado de Assis como personagem em obras literárias. O primeiro contato de Milena com os textos do autor foi durante as disciplinas de literatura na graduação.

– Quando li Machado de Assis, me senti em uma reflexão profunda e espiritual de compreensão de como a sociedade funciona, como o Estado funciona sobre os corpos, entra no seio das famílias para dizer como deve funcionar. Aquilo que deveria ser intrafamiliar passa a ser problema do Estado. Como funciona também a posse do homem branco sobre os corpos negros, sobre o corpo feminino, e como isso ainda se perpetua de certa maneira na contemporaneidade. Não tem como não pensar nas questões atuais. Vejo que ler Machado de Assis te dá uma visão de como chegamos à miséria, a esse Brasil que é um emplastro. O legado de Machado de Assis é esse: quando tu lê, entende todas as falhas que o Brasil teve para se tornar uma nação – declarou Milena.

Um dos possíveis motivos para o sucesso de Brás Cubas nos Estados Unidos apontado por Milena é o fato de Machado ser um autor negro que está sendo reivindicado como tal, já que até bem pouco tempo, ele era retratado como branco. Rosalilia também levanta essa questão:

– Em um momento de protestos raciais, um escritor negro que representa outras culturas, é um momento em que o pessoal quer coisas diferentes do padrão. E quando se diz para um possível leitor que as memórias são póstumas, que é um morto que está escrevendo, e como ele é morto, ele tem toda a liberdade, ele pode falar de tudo, de si mesmo, ele pode rir de si mesmo. Esse humor, essa ironia, a liberdade que a gente imagina encontrar no personagem protagonista é uma atração irresistível, independente de época – disse Rosalilia.

Para a professora, quando um clássico brasileiro faz sucesso no exterior, deve-se divulgar isso, porque pode servir de incentivo para muitos leitores do país que ainda não leram. Ainda na opinião dela, o que também serve de incentivo é o exemplo:

– Dia desses, um sobrinho me disse “tia, eu comecei a gostar de ler quando te via lendo na praia”. Sempre havia a Feira do Livro no litoral. Comprávamos livros e ficava todo mundo lendo – contou.

A história de Lucas com a literatura começou justamente pelo exemplo que teve na escola e em casa.

– A literatura permite que você saia do lugar em que está e experiencie coisas que não são imediatamente próprias a tua experiência. Pelo universo da fantasia e da imaginação, a gente tem essa possibilidade de experienciar a história dos outros, e fazer com que elas, de certo modo, comuniquem pra gente coisas que podemos levar para nossas vidas – declarou Lucas.

Para ele, quando há a oportunidade de publicação na Europa ou nos Estados Unidos de autores latino-americanos, há uma possibilidade de popularização dessa literatura. Sobre a tradução de Brás Cubas publicada nos Estados Unidos, Lucas diz:

– Isso apenas atesta a atemporalidade da literatura de Machado de Assis. A gente lê algo que está situado no contexto do século XIX, mas que, de certo modo, vai tocar em questões individuais, pessoais, subjetivas e sociais que se comunicam com a nossa realidade. Então, atribuo isso à própria genialidade de Machado de Assis, à forma como ele escrevia, mas principalmente à mensagem dos livros que ele escreveu e à relação que essa mensagem tem com o nosso mundo contemporâneo. Ou seja, ler Machado de Assis ainda é importante para poder decodificar os códigos que esse mundo moderno nos apresenta e, de certo modo, viver melhor, ter um entendimento maior a respeito das coisas do homem e do corpo social também.

Quanto à leitura dos clássicos da nossa literatura pelos jovens, Rosalilia acredita que a escola tem um papel fundamental neste ponto: precisa apresentá-los.

– Se esse tipo de livro não for ensinado e incentivado na escola, dificilmente vai ser na vida, a não ser que o aluno faça parte de uma família leitora, que tenha biblioteca e incentivo para isso. E os clássicos de diferentes épocas e temas são essenciais para a formação do leitor maduro, aumentam nossa perspectiva histórica, estimulam o senso crítico, enriquecem o entretenimento, enfim, a leitura enriquece nosso repertório cultural – afirma.

Lucas vê que toda grande literatura é feita para pessoas, sejam elas crianças ou adultas. Mas acredita que deve haver algumas mudanças na forma como certas obras são trabalhadas nas escolas:

– Talvez Machado de Assis e Álvares de Azevedo não sejam bons escritores para se ensinar da maneira como o ensino tradicional aborda. O conteúdo desses autores sempre pode se tornar acessível dependendo da maneira como você transmite as ideias. A diferença é que, talvez, a forma com a qual Álvares de Azevedo e Machado de Assis transmitem esse conteúdo não tenha uma comunicabilidade com o público infanto-juvenil. Eu não imagino que um adolescente de 15 anos consiga perceber todo o brilhantismo do estilo machadiano, mas isso vem com a maturidade, vem com o tempo. Isso não quer dizer que nós não possamos trabalhar com esses autores. Existe aí o trabalho do professor de fazer uma adequação desses conteúdos ao público infanto-juvenil, e a criatividade de pensar formas de se transmitir esse conteúdo.

Além disso, ele nota que há certo anacronismo na maneira de tratar a literatura na escola. Para Lucas, o professor deve estar sempre atento à realidade do aluno para poder traduzir o conteúdo literário de uma forma mais efetiva de comunicação.

Ainda falando sobre o ensino de literatura na escola, Lucas diz que este talvez não devesse estar tão atrelado à periodização, mas sim ao estudo dos textos literários.

– A partir daí, a gente vai desenvolver um gosto pelo texto literário. Essa compreensão periodológica vai ser resultado do interesse nos textos – avalia.

Para despertar o interesse pela literatura nos alunos, Lucas acredita que cabe ao professor saber tratar o enredo das estórias e passá-lo aos alunos de forma instigante. Ele dá algumas sugestões de como colocar isso em prática, e você pode conferir na entrevista completa disponível em http://gazetadecacapava.com.br/noticias/entrevista-lucas-zamberlan/.

 

Lucas Zamberlan, professor da UFSM e da UERGS

Rosalilia Delabary, professora aposentada