Amélia Rota Borges de Bastos

Professora da Universidade Federal do Pampa

Pós-Doutora em Educação

 

Nos últimos dias, com o bom desempenho dos atletas paraolímpicos nas olímpiadas, somado às falas do atual Ministro da Educação sobre o fato de alunos com deficiência “atrapalharem os demais alunos e seus professores” – o termo é colocado com as aspas dadas pelo próprio ministro –, a temática da escolarização de alunos com deficiência no ensino regular voltou à tona.

Instituída pela atual Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, a Política instituiu um conjunto de práticas, serviços e recursos para ser materializada. Dentre eles, a oferta de atendimento educacional especializado que, segundo as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, tem como “função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.”

Para além do AEE, a Política prevê formação de professores; disponibilização de Profissionais da educação, como tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuam no apoio às atividades de alimentação, higiene e locomoção de alunos com deficiência. Para além disso, a provisão de acessibilidade arquitetônica, pedagógica, da comunicação e informação.

A Política de 2008, que vem sendo discutida pelo atual governo com a intenção de ser substituída, materializa a concepção de deficiência defendida na Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) que, no artigo segundo, define pessoa com deficiência como: “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

A LBI toma a condição de deficiência a partir de uma perspectiva social. Ou seja, a condição orgânica é individual, mas as desvantagens que tal condição carrega estão associadas ao coletivo ou, em outras palavras, à falta de acessibilidade da sociedade na oferta de produtos, recursos e serviços que realmente atendam a todos.

Assim, poderíamos dizer que o que atrapalha a pessoa com deficiência é a ausência de tais recursos. Ao aluno cego, o que atrapalha é a organização de um currículo escolar eminentemente para videntes; aos surdos, um modelo de ensino pautado na oralidade dos ouvintes.

Em uma análise mais coletiva, o que atrapalha é a ausência do Estado na garantia de políticas públicas que, com equidade, promovam o acesso de todos à educação. Neste sentido, não me refiro apenas a escolarização de alunos com deficiência.

A educação inclusiva tem como premissa a oferta de um ensino de qualidade que responda às necessidades de todo e qualquer estudante. Em um contexto de pandemia, como o que estamos vivendo, essas necessidades não necessariamente dizem respeito aos alunos com deficiência, mas, por exemplo, a disponibilização de acesso à internet, recurso que asseverou ainda mais o fosso entre ricos e pobres e foi responsável pela exclusão de milhares de alunos ao conteúdo escolarizado.

Para além de uma política pública, que revela a ação (ou omissão) do Estado na oferta de serviços e recursos que garantam aos alunos com deficiência o acesso à escola comum, o tema deve ser tomado em uma perspectiva de desenvolvimento.

Vigotski, importante autor do campo da psicologia e educação, há muitos anos defendeu a ideia de que, mais importante do que a condição orgânica com que nasce o sujeito, são os estímulos e oportunidades que este recebe, capazes de mudar os rumos do desenvolvimento de uma pessoa com deficiência.

Neste sentido, postulou a importância do papel da aprendizagem e da construção dos conceitos científicos – funções da escola – para o desenvolvimento das pessoas com deficiência.

Defendeu tais ideias compreendendo que o processo de aprendizagem é resultado da interação social, com pares ditos mais competentes em determinadas tarefas. E, que tal interação, e os conhecimentos dela produzidos, passam a ser internalizados por parte do sujeito.

Neste sentido, defendemos a ideia da inclusão como condição ao desenvolvimento da pessoa com deficiência, entendendo, obviamente, que ela demanda modificações da escola, do currículo, das práticas pedagógicas, da formação dos professores.

Assim, o que precisa modificar não é a presença ou ausência de alunos com deficiência na escola, mas a própria escola, e o cenário educacional brasileiro, ainda bastante carente do necessário investimento na garantia de uma educação de qualidade para todos.

Foto: arquivo pessoal