Dona Sinhá acordou cedo, ou melhor, nem dormiu à noite, só uns cochilos.  Passou cuidando a hora e esperando que o dia amanhecesse, o tão esperado dia! Chegaram as vacinas, e ela pertence ao primeiro grupo de idosos que merecem receber a 1ª dose.

Na véspera, deixara o vestido escolhido para a ocasião arejando fora do roupeiro e do cheiro de naftalina. “Será que ainda serve?”, pensou.  Nesta pandemia e isolamento social, sem ocupações fora de casa, nem as visitas às amigas, a ida à igreja ou aos bailes dos idosos, Dona Sinhá parece que engordou, como todos na casa… Confinada, procurou velhas receitas culinárias para as mais novas da família fazerem. E a maior diversão era saborear aquelas “novidades antigas”. Quem falava assim era sua querida e saudosa amiga Maria, com seus ditos espirituosos.

Um dos netos foi escalado para levá-la ao Posto de Vacinação, e lá ela ficaria bem segura dentro do carro – que agora chamam de operação drive-thru, como se todos fossem obrigados a entender inglês.

Finalmente a bordo, amparada por familiares e por sua bengala – para não tropeçar na calçada – Dona Sinhá partiu sorridente e abanando para os que ficaram assistindo. Até os vizinhos apareceram para dar-lhe bom dia.

Passando pela casa da amiga Idalina, reparou que ela sofrera reformas, estava pintada, com portas, janelas e portão novos, não parecia a mesma. Com tristeza, lembrou que a amiga fora para uma casa de repouso, a família achou melhor assim, ficaria sob cuidados de gente preparada e acompanhada de pessoas da mesma idade. Felizmente – falou com seus botões – minha gente ainda me quer junto, só fico meio tonta nos dias de festa, quando aparecem visitas de todas as idades, adultos, jovens e crianças, e o movimento me deixa cansada.

No trajeto, outra casa que visitara muitas vezes para os chás da tarde e os trabalhos manuais compartilhados com as amigas. A moradora, a Diva contadora de “causos”, não esperara esse dia, seu coração a levou antes.

Até que chegaram à frente do Posto, e o neto posicionou o carro na fila que se estendia a perder de vista. Pelo menos da visão de Dona Sinhá, que precisava urgente trocar os óculos. Dali de onde estava, ela queria reconhecer alguns conhecidos, mas, de vez em quando, se enganava acenando para estranhos. Entretanto, todos correspondiam alegres, achando-se no mesmo barco salva-vidas. Que felizmente chegou, mas sem ter salvo a tempo milhares de vidas preciosas e choradas.

Vacinada, feliz com o passeio, Dona Sinhá não deixou de agradecer: Bendita fila!