Cada manhã, ao levantar, faço mentalmente a lista dos afazeres do dia, para sentir-me viva e ativa. Noutro dia, o foco foi a arrumação de gavetas das escrivaninhas. É a tarefa mais difícil: os papéis não se acabam, e é preciso ver a validade de cada um antes de jogá-los fora. Mas também pode proporcionar prazer na redescoberta de tanta coisa que ficou no cantinho do nosso acervo de memórias.

E o achado de uma velha caixinha de santinhos foi muito significativo e me fez viajar décadas e décadas ao meu passado.

Eu tinha uns sete anos de idade e chorava por não achar os meus santinhos da caixa do sabonete Eucalol.  Meu mano, mais moço três anos, ficou com peninha de mim. Não disse nada, mas daí a pouco chegou sorrindo com a caixinha na mão. Que alegria!  Eu não cansava de abraçá-lo e agradecer-lhe. Então ele, envaidecido, me disse na sua língua troca-letras: “Pucuri, pucuri e achi, dopois fiz um bulaco, dopois tapi.” Ele procurara no guarda-roupa onde guardavam as cobertas. E foi preciso aventurar-se debaixo delas para encontrar meu tesouro. O armário ficou de pernas para o ar com a mexida.

Agora a Festa do Divino se aproxima. Nas missas de Pentecostes da minha infância elas eram solenes e seguiam a tradição vinda de Portugal, com séquito do rei e da rainha, pagens de estoque e outros personagens, cantores lá em cima no coro com vozes afinadas e acompanhadas por órgão – antecessor do teclado – e às vezes até violino.

Mas o momento mais esperado por nós, crianças, era quase ao final da cerimônia quando os festeiros ou seus familiares passavam de banco em banco distribuindo santinhos da festa com os nomes da comitiva, do Pároco e dos pregadores.  Às vezes, porém, os entregadores faziam mal as contas e alguém não recebia o seu. Era uma tragédia.

Não sei onde foi parar minha caixa de sabonete Eucalol.  Mas os santinhos ainda estão guardados em outras embalagens, sem porém, o seu perfume inesquecível e jamais superado por outro sabonete.

O Covid19 que nos castiga não permitirá que a Festa do Divino seja como suas antecessoras.  Igrejas vazias, mas assistindo pela Internet, a fé e a devoção dos fiéis não serão menores, talvez até mais suplicantes e agradecidas pela vida que até aqui vivemos.

E numa união simbólica, súplicas se elevarão aos céus pedindo ao Espírito Santo que venha iluminar as mentes dos governantes, dos cientistas, da classe médica e todos os homens de boa paz para que encontrem os caminhos que nos desviem e salvem dessa tremenda tragédia. Para que cada um de nós, os cidadãos comuns, qualquer que seja a cor que sua região apresenta – maior ou menor número de casos e melhores ou menores condições de internação – apresente.

O isolamento é por enquanto a arma mais eficaz, e os cuidados de higiene também. Não dá para brincar com este perigo que se encontra em qualquer parte, como jogar na roleta russa.Vamos valorizar nossas vidas, as nossas e as de nosso próximo. Ela é o dom mais precioso que Deus nos deu.

Feliz Pentecostes para todos.  

Anna Zoé Cavalheiro