Por Deysi Cioccari*

A frase de Guy Debord, um revolucionário pensador dos anos 70, explica bem o momento atual de politização da vacina. Governadores reagiram ferozmente ao fato de João Doria (São Paulo) ter sido o primeiro a fazer (não se tira uma foto, ela é feita) uma fotografia vacinando contra a covid-19. Mas Doria não fez nada que qualquer outro não teria feito: apareceu. Numa sociedade em que aparecer importa mais do que ser, o efeito foi devastador. Críticas como “ele está politizando a vacina” vieram de outros que correram para fazer a segunda foto. Fotos aos pés do Cristo Redentor, com emoção no posto de saúde, com coletiva de imprensa… mas foi Doria quem politizou a vacina (segundo os “derrotados”). Doria, na verdade, criou a conexão emocional com eleitor. Uma conexão que o presidente precisava mais do que nunca e o que os governadores de outros Estados não conseguiram obter. Inclusive o nosso, que para azar dele, não conseguiu trazer a vacina num avião. Teve que vir de caminhão atrasando o sonho de aparecer mais.

Nessa semana gravei um vídeo num canal no YouTube (P3 Política) explicando a importância dessa conexão emocional com o eleitor e tomei uma “puxada de orelha” da minha supervisora acadêmica, Simonetta Persichetti, uma italiana sem papas na língua, que me disse: “fotografia também é discurso político, não é só o aparecer”. E, ela tem razão. Não é só aparecer. A fotografia pode ser considerada verdadeira ou falsa por causa daquilo que nos é dito ou escrito acerca do que ela representa. No entanto, esta distinção depende do contexto de comunicação e das expectativas do espectador.

Políticos inundam as redes sociais com milhares de imagens. São retratos de eventos, reuniões, visitas ao seu público eleitor. Mas serão todas expressivas como registro político? Não. A fotografia de João Doria é simbólica demais porque quando a história for contada, os outros serão nota de rodapé, e Doria, subtítulo no livro da pandemia no Brasil. Não podemos esquecer o impacto das imagens ao longo da história. No final dos anos 30, em pleno Estado Novo, o então ministro da Saúde, Gustavo Capanema, começou a preparar um livro com imagens de feitos do governo Getúlio Vargas.  O objetivo era “fazer ver” e “fazer crer”.  Lula não abriu mão da família Stucker (fotógrafos de toda uma era da esquerda no Brasil) para lhe acompanhar. Sabia o poder da imagem. Um autor que a Simonetta e eu gostamos muito e, pasmem, participou de uma parte da minha defesa de mestrado, Boris Kossoy, já nos alerta: “a fotografia é uma construção ideológica, cultural e estética”. Doria sabe disso. Os governadores sabem disso. Sabem que agora, no imaginário coletivo, Doria foi o primeiro a vacinar. Doria ousou fazer o que todos queriam: aparecer.

 

*Jornalista caçapavana, doutora em Ciência Política e pós-doutora em Comunicação pela Cásper Líbero (SP).