Lhes falo dos sonhadores. Mas não dos pesadelos, dos suores das noites de friagem ou dos tremores de frio na febre de um verão caliente. Lhes dou conhecimento dos devaneios da mente, dormindo ou acordado, daquele tipo de gente que se inquieta com a quietude do mundo, que escuta o silêncio e que dialoga consigo mesmo quando procura um dedo de prosa para caminhar. Por vezes, nem saindo do mesmo lugar. Ali, palanqueado por corda nenhuma, atrelado ao vício de muito pensar.

Nessas horas, me “alembro” dos de antigamente, que diziam que “pensando morreu um burro”. Acho que, naquele tempo, era para que os  matutos se conformassem com a falta de perspectivas de uma vida melhor, e não ousassem reclamar dos patrões feitores, que não raramente eram seus próprios pais e/ou sogros, donos das terras. Nas famílias numerosas do interior, filho era para servir de mão-de-obra na lavoura para sustentar a prole. Cresciam trabalhando, casavam entre vizinhos e ficavam todos na volta para pagar a criação e a boia de que usufruíam.

Meu pai fez muito cedo a partilha do futuro dos seus dois filhos homens: um poderia estudar, se gostasse, e o outro ficaria na campanha para dar continuidade à tradição da família, cuidando da propriedade. Eu saí logo, mais para não ficar lá, “no toco”, no serviço bruto, do que pela vontade ardente de virar doutor. Pouco me atraía plantar uma lavoura de milho em julho para colher e vender em janeiro se o tempo corresse bem, se o inverno não fosse muito brabo, se chovesse adequadamente, se as vacas pegassem cria, se os cachorros do vizinho não comessem os cordeiros, se a porcada fosse boa de engorda…

No quartel, existe um princípio de que o soldado raso tem que chegar de noite cansado para não inventar de “dar alteração”, não incomodar, pensando bobagens. Isto é, não infringir as normas disciplinares, ditas regulamentos, não quebrar a rotina do milico. Por isso é que as “praças” entram em forma diversas vezes ao dia (rancho, formatura matinal, instrução, treinamento físico, revista do recolher, etc.), para aprender a agir no coletivo, no reflexo condicionado, sem muito pensar, porque a decisão para agir não é individual, é de quem comanda. E, segundo Maquiavel, todo aquele Príncipe que delega poder a outrem está perdendo parte do seu próprio poder, está enfraquecendo.

Na condição de oficial do exército eu fui um daqueles que decidiam para a ação do meu grupo de comandados que, aliás, foi crescendo ao longo da carreira. Havia comprometimento e cumplicidade, muito diferente do exercício do mando político, onde muito se pensa para auferir vitórias com os votos da maioria que, no geral, muito pouco pensa.