Decidi falar sobre Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. É sempre necessário falar de Carolina e sua obra, mas a decisão veio quando soube da notícia de que, na semana passada, ela recebeu uma homenagem póstuma: o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A mulher negra, catadora e favelada que se tornou escritora, agora é também doutora!

Mas por que escolhi Quarto de despejo? O motivo é simples: até pouco tempo atrás, as obras de Carolina eram de difícil acesso, há muito esgotadas. Então, só tive acesso a esta. Mas esse cenário está prestes a mudar. No ano passado, a Companhia das Letras anunciou que lançará parte da obra de Carolina. Diz a nota da editora que serão “diversos títulos, como escritos memorialísticos, romances, poesia, música, teatro e narrativas curtas, entre outros. A editora recuperará os textos de Carolina a partir dos cadernos originais, espalhados por diversos acervos pelo Brasil.” Mal posso esperar!

Quarto de despejo chegou até mim em 2016, como leitura obrigatória de uma disciplina da graduação sobre ficção brasileira. Até então, nunca havia ouvido sequer falar na existência de Carolina. Lembro que a professora falava que o recorte da disciplina, involuntariamente, acabou reunindo obras que retratavam diferentes tipos de misérias do povo brasileiro. E realmente…

Mas chega de enrolar, vamos falar do livro. Trata-se de nada mais, nada menos que o diário de Carolina, que ela escreveu em cadernos que encontrava no lixo, reunindo os relatos de algumas situações que viveu em seu trajeto entre o Centro de São Paulo e sua casa, na Favela do Canindé.

Quarto de despejo foi organizado pelo jornalista Audálio Dantas, quem a “descobriu”. Uma das passagens que mais me marcou foi a de um dia em que ela estava indo, se não me engano, levar o papel que havia recolhido para vender. No caminho de ida, ela encontrou um homem que havia retirado carne do lixo. Ela viu que aquilo não estava próprio para o consumo, e advertiu a ele. Mas o homem estava com tanta fome que não deu ouvidos e ingeriu a carne mesmo assim. Quando ela retornou, ele já estava morto. Cada página é um soco muito forte bem na boca do estômago.

Ah, já ia me esquecendo da pergunta do título… Leia o livro, Carolina a responde.

 

Referência: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. 10ed. São Paulo: Editora Ática, 2014. 200p.