Professor Gaspar Leal Paz durante evento online de lançamento do seu novo livro

 

O professor caçapavano Gaspar Leal Paz lançou, na quinta-feira, dia 22, o livro Interpretações de linguagens artísticas em Gerd Bornheim. A obra é fruto de sua pesquisa de doutorado, e aborda a trajetória do filósofo Gerd Bornheim e o tema da linguagem a partir de conexões entre filosofia e expressões artísticas e culturais. O livro pode ser adquirido no site da editora (https://edufes.ufes.britems/show/531) ou encomendado pelo e-mail livrariaedufes@ufes.br.

Confira a entrevista que o professor Gaspar concedeu à Gazeta:

1 – Sobre o que trata o seu livro?

É um prazer conversar com amigas e amigos de Caçapava do Sul. Guardo boas lembranças e um carinho especial pela cidade: a infância, as amizades, os primeiros estudos, os primeiros passos na música, o despertar para as expressões culturais, e a presença marcante dessa geografia de belezas naturais (a Pedra do Segredo, as fontes, as quedas d’água, a vegetação). Assim, gostaria de começar me solidarizando com todas e todos que, nesse momento tão difícil de crise político-sanitária, perderam seus próximos. São perdas irreparáveis. Nessas horas é importante fortalecermos laços, afetos e formas de acesso à realidade. As expressões artísticas e culturais exercem um papel muito importante de resgate dessas vivências e propiciam formas de resistência e de reelaboração de nossas ações. Esse livro que estou lançando faz parte desse processo.

O livro Interpretações de linguagens artísticas em Gerd Bornheim (Vitória: Edufes) é fruto de minha pesquisa de doutorado, realizada no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UERJ. Para a versão publicada pela Edufes, procedi a atualização e ampliação do texto. Na edição, sublinho momentos instigantes da trajetória do filósofo Gerd Bornheim e contextualizo o tema da linguagem em sua obra a partir de conexões entre filosofia e expressões artísticas e culturais. O prefácio foi escrito pela professora Olgária Matos (USP e Unifesp).

O livro é dividido em quatro partes. Na primeira, falo do percurso intelectual e da personalidade do Gerd, aliando aspectos da formação e da relação vida e obra. Na segunda parte, trato da emergência do tema da linguagem, ou seja, como esse tema surge no horizonte de interesses bornheimianos. O cenário envolve discussões filosóficas, linguísticas, antropológicas, artísticas entre outras. Trata-se de uma espécie de contextualização. Já na terceira parte, a linguagem é vista a partir da confluência entre filosofia e expressões artísticas. Aqui o teatro, como uma linguagem que dialoga com outras linguagens, ganha espaço especial. Gerd foi muito reconhecido por suas interpretações sobre a cena teatral. Na quarta e última parte, retomo o tema da linguagem a partir de variações também presentes nas discussões do autor. É o caso da linguagem e comunicação (o problema se coloca a partir de Sartre), a linguagem musical, e a questão do espírito crítico, entre outros temas.

 

2 – Como foi o evento de lançamento?

O lançamento transcorreu bem! Foi um momento de conversa e troca de impressões e sentimentos. A ideia era realizarmos algo descontraído e relembrarmos as contribuições do Gerd Bornheim para a abertura, ampliação e consolidação dos estudos estético-filosóficos no Brasil. O convite partiu do professor Rodrigo Duarte (UFMG), expoente na área. Tivemos ainda a participação da professora Rosa Dias (UERJ), que foi minha orientadora de doutorado e que tem destacada produção sobre a estética de Nietzsche, sobre a música e o cinema. Levantamos algumas informações de bastidores sobre a influência marcante do Gerd. O evento ficou registrado nos canais da TV Aisthesis e pode ser conferido em youtube.com/c/TVAisthesis e em facebook.com/TVAisthesis.

 

3 – Em que você está trabalhando no momento?

Quando falei dos bastidores, me lembrei do filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman. Ele diz no livro Cascas que  « a arqueologia não é apenas uma técnica para explorar o passado, mas também e, principalmente, uma anamnese para compreender o presente ». E é justamente a compreensão desse legado e essa continuidade da pesquisa sobre a vida e obra de Bornheim (o modo como lidamos com nossas heranças culturais e filosóficas) que tem me ocupado no momento. Trabalho desde 2014 na Universidade Federal do Espírito Santo como professor de Filosofia da Arte no Departamento de Teoria da Arte e Música e também no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES. Vivencio diariamente uma gama de experiências e proximidades com a inventividade das linguagens artísticas. Coordeno o grupo de pesquisa  “Crítica e experiência estética” e desde 2015 as/os integrantes do grupo estudam as correntes de pensamento e as/os autoras/es que influenciaram Bornheim, assim como as produções artísticas, filosóficas e culturais analisadas por ele em suas publicações. Esses estudos têm gerado resultados significativos que aparecem expressos em projetos temáticos, organizações de publicações, produção de artigos, eventos, colaborações institucionais e pesquisas de graduação, iniciação científica e mestrado acadêmico. Algumas dessas ações podem ser conferidas no site que desenvolvemos: https://gerdbornheim.wixsite.com/meusite. Atualmente, estamos trabalhando num projeto sobre a correspondência de Gerd Bornheim com familiares (pais e irmãs) e amigos-interlocutores (escritores, artistas, professores); sobre as posições públicas reveladas nas entrevistas que o autor concedeu à midia ou a outras instituições brasileiras; assim como textos esparsos, datiloscritos e manuscritos do autor sobre Estética, Cultura, Filosofia, Artes Plásticas, Política e interpretações sobre autores como Beckett, Brecht, Bressane, Drummond, Hölderlin e Rilke.

No que se refere a música, em 2020, estava começando a gravação de um Cd, interrompido por causa da pandemia. Já havia gravado duas músicas em estúdio. Retomarei essa perspectiva em breve, tanto no que se refere ao estudo das sonoridades como do fazer musical.

4 – Você é caçapavano, mas já não mora aqui. Há quanto tempo está fora da cidade?

Sim, sou caçapavano! Fui estudar em Porto Alegre no início dos anos 1990 (1992 por aí). Ingressei na UFRGS em 1993 no curso de Filosofia. E durante esse período sempre dividi minhas atividades entre filosofia e música. Atuava como músico em Porto Alegre e em outras regiões do RS e também ministrava aulas de música. Nesse sentido, os laços com Caçapava eram mantidos, pois me apresentava frequentemente na cidade e oferecia cursos para grupos de estudantes de músicas. Em 1999, fui para o Rio de Janeiro. Foi quando fiz o mestrado em musicologia na UFRJ (ênfase em etnografia das práticas musicais, etnomusicologia) e o doutorado em filosofia contemporânea (Filosofia da Arte e Estética) na UERJ, com estágio doutoral na Université Paris 1 (Sorbonne). Depois estive na USP em pesquisa de Pós-doutorado com supervisão da Olgária Matos, época que viajei novamente por mais um período na Paris 1. Atualmente, estou na UFES. Mas Caçapava do Sul, como diria Drummond, “a primeira visão do mundo” está sempre presente, são memórias indeléveis. Há algum tempo compus uma música com o meu irmão, Tupan Leal Paz, chama-se Brita de Guarita, que traz um pouco dessas reminiscências.

Brita de Guarita

Brita de Guarita

Pedras de mistérios

Amuletos trazem sorte

Ao índio tez d’ouro

Lascas de pedras

Partem as terras

Pedras de pedras

Medras no mato

Convites ao ato

Virgens imagens

Belas paisagens

Loucas viagens

Fogo no mato

Escondido estava o gato

Entre outras estrelas

Estalidos lenda postulada

Semente de livros lidos

Chácara queimada

Na abundância d’água insocorridade

Que aquece hospitalidade

Que nem o vento frio apaga

Transparência de cascatas,

Já nisso está a verdade

Água que se entorna

Daquela fonte beira mato

O passante bebe e retorna

Águas se sabe, matam sede

Aqui também secam mágoas

Encantoada desvela-se Kaasapaba

Segredo natural

Luzes dentro da mata

Afeto de carne, afinal

É viagem desejada.

 

5 – Onde você está morando atualmente?

Moro em Vitória, Espírito Santo. É uma cidade muito bonita, com uma geografia montanhosa à beira mar, semelhante ao Rio de Janeiro. A região é culturalmente muito interessante e plena de manifestações afro-brasileiras. Muito Congo, Caxambu etc. Encontramos aqui também muita gente vinda da Bahia, do Rio, de São Paulo e de Minas. Na região serrana há imigrantes italianos e alemães (os pomeranos) e a Serra do Caparaó é lindíssima. Mas como canta o Chico Buarque “prazer e pavor” às vezes andam juntos. É também uma cidade que escoa o minério vindo de Minas. A presença das mineradoras Vale, Samarco gera também as catástrofes ambientais, ecológicas (o rompimento de barragens de rejeitos em Mariana, Brumadinho, por exemplo) e pulveriza a população e suas residências com uma grande quantidade de pó de minério.

 

6 – Qual a sua formação?

Graduação em Filosofia (UFRGS), mestrado em Música (UFRJ) e doutorado em Filosofia (UERJ). Mas considero ainda todas as minhas incursões musicais fundamentais nesse percurso. É o que mencionei no lançamento do livro, numa anotação de pretensões poéticas “Memória auditiva” (sonoras-idades):

Relendo Fotodrama de Bressane

algo me veio de chofre

anotei na margem da página

margem que quebra, ondula, espuma, afaga e encoraja as palavras:

A música me ensinou o silêncio

                                   e o ruído

me ensinou a falar e desfalar

e me ensina a ouvir

Capa do livro “Interpretações de linguagens artísticas em Gerd Bornheim” Crédito: Ignez Capovilla