A Gazeta traz o depoimento de professores de escolas públicas de Caçapava, que estão vivendo os desafios das aulas remotas e lutando para levar adiante a tarefa de ensinar, acima de qualquer adversidade. Eles contam como transformaram suas casas em salas de aulas, se aventuraram diante das câmeras e ainda se desdobram para alcançar material aos alunos que não têm acesso à internet.

Entre os vários sentimentos compartilhados por eles, dois se destacam: a saudade do barulho da escola e a expectativa pela vacina, para que possam voltar com segurança ao seu ambiente natural.

O professor está sobrecarregado

Lucélia de Oliveira Couto, diretora da Escola Estadual Cônego Ortiz

Acompanho diariamente o trabalho dos professores. Foi preciso que todo mundo se reorganizasse, não só o espaço físico, como a vida, principalmente os colegas que têm filhos menores, porque a criança não entende que, naquele horário que o professor estaria na escola, agora ele está em casa, mas trabalhando. Então, os filhos querem atenção, os pais estão em casa, e eles querem aproveitar.

Cada professor teve que organizar um espaço na sala da sua casa ou em seu próprio quarto, com seu quadro preso na parede, para poder trabalhar, porque eles cumprem os horários normais. A escala de trabalho é como se estivessem na escola.

Foi bem complicado no início, mas estamos indo. Ainda enfrentamos vários problemas. Esse formato de aprendizagem é novo tanto para professores quanto para alunos. Todo mundo teve que aprender – inclusive nós da equipe diretiva – a ensinar e a trocar informações sobre as plataformas digitais e as mídias.

Aos poucos, os professores vão criando mecanismos além da plataforma [espaço utilizado para ministrar as aulas online]. Por exemplo, temos os vídeos. Se um aluno não consegue acessar a plataforma, o professor grava um vídeo e coloca no grupo da turma no WhatsApp. Ou, se o aluno não tem WhatsApp – porque há crianças que não têm, há muitas realidades diferentes nas escolas –, ele vai buscar o impresso na escola semanalmente. E há também casos em que a gente tem que correr atrás do aluno, porque ele não acessa nenhum dos meios por inúmeras dificuldades. Eu costumo dizer que os professores estão se virando nos trinta.

Por determinação do governo, as escolas estaduais estão funcionando com plantões de segunda a sexta. O professor tem que vir até a escola semanalmente para deixar atividades e recolher as que já foram feitas pelos alunos para correção. O professor está sobrecarregado.

Para a vacinação dos professores, temos uma expectativa enorme. A gente sonha com o retorno, porque só quem trabalha com educação sabe que, para nós, o importante é o contato, o olhar, o alvoroço, o professor sente falta do alvoroço. A gente vem para os plantões, e é uma coisa muito estranha estar na escola sem os alunos. Queremos muito o retorno, mas, em primeiro lugar, queremos estar vivos. É quase unanimidade a volta a partir da vacina, com segurança. Temos muito medo de voltar sem sermos vacinados, porque o resultado está aí, estamos vendo todos os dias. Inclusive, fizemos um levantamento a pedido da Coordenadoria de Educação, turma por turma, e entre 2% e 3% dos pais apoiam o retorno das aulas presenciais. Então, teríamos poucos alunos neste momento.

Nossa tarefa está acima de qualquer dificuldade

Fernando Oliveira Machado, diretor da Escola Estadual Antônio Lopes Jardim, professor de Projetos Empreendedores na Escola Estadual Nossa Senhora da Assunção, e pai de estudante na Escola Estadual Rosa Poglia

Ser professor em tempos de pandemia tem sido um desafio. As aulas remotas foram uma alternativa necessária para dar continuidade no serviço educacional frente à crise sanitária enfrentada em todo o mundo.

A escola foi transferida para dentro da casa de cada professor e de cada aluno. Um cômodo da casa, geralmente o quarto, passou a abrigar uma sala de aula. A necessidade nos obrigou a utilizar o próprio salário para adquirir recursos e serviços para conseguir oferecer o nosso serviço com melhor qualidade, como aumentar a velocidade da internet para que as aulas ao vivo não ficassem trancando, quadro branco, mesa digitalizadora, tripés de iluminação, celular ou webcam com qualidade melhor, e muitas outras adequações que se fazem necessárias na prática docente e que surgem no decorrer do processo educativo.

A rotina diária tornou-se três vezes maior. Preparar aulas remotas exige mais tempo, pois o material deve ser adequado para que o aluno estude sem a presença física do professor. As aulas ao vivo geralmente não atingem todos os estudantes, pois muitos não têm acesso à internet com capacidade de rodar vídeos ou conectar plataformas de comunicação ou nem mesmo possuem internet, celular ou outro aparelho.

Apesar de tudo, a tarefa de ensinar está acima de qualquer dificuldade. Os professores estão conseguindo se moldar e se reinventar frente às adversidades. Podemos ver que estão dando o melhor de si para fazer com que o aprendizado, mesmo que remoto, seja efetivo e de qualidade.

A expectativa da vacinação tem sido uma esperança para o retorno das aulas presenciais, pois a escola não é escola sem a presença física dos professores, alunos e funcionários. Cada vez que entro no prédio da escola que sou diretor, sinto um vazio. Não há conversas nos corredores, não há discussões acaloradas na sala dos professores, não há o debate dentro das salas de aula, o silêncio em dias de prova, os pedidos pela hora da merenda, nem alunos jogando bola no campo. O que há é somente um prédio sem vida. Todos nós estamos sentindo a falta do contato humano.

Nesse momento é importante ressaltar a importância da família aliada ao serviço do professor. Estes projetam nos pais as suas presenças físicas, no trabalho de cobrar do estudante a rotina de estudos, o horário para assistir às aulas virtuais e a assiduidade na entrega das tarefas escolares.

Tenho experimentado todas as faces do processo educacional na pandemia. Sou diretor de uma escola em um turno, professor em outro e pai de uma estudante do ensino fundamental. Tenho sentido e acompanhado diariamente a luta dos professores para não deixar a qualidade da educação cair. Somos uns dos tantos guerreiros que lutam nessa pandemia para manter o progresso e formar cidadãos que garantam um bom futuro para o nosso país.

Parafraseando William Faulkner, Nobel de literatura, a voz do professor não precisa ser apenas um registro do conhecimento humano, pode ser também um dos alicerces, um dos pilares para ajudar o aluno a resistir e a triunfar.

Transformamos nossa casa em espaço escolar

Angela Cristina Cursino Garcia, professora da Escola Estadual Januária Leal

A rotina da casa mudou. Aqui, pai e mãe são professores, e a filha é estudante. Cada um vai para a sua sala de aula virtual, cada um em seu espaço próprio.

Começamos cedo, com a aula online de nossa filha às 8h. Ela está no sétimo ano na Escola Januária Leal, e seus professores fazem aulas diárias de todas as disciplinas, respeitando o horário normal, o que é excelente, pois em nenhum momento ela esteve fora da escola, e segue uma rotina.

Meu marido é professor nas Escolas Januária Leal e Nossa Senhora das Graças, e reveza o atendimento online de seus alunos, pois tem 23 turmas. Em uma semana, ele atende de maneira online uma escola, e na outra faz correção e prepara material para leituras. Ele é também o professor referência nas duas escolas para auxílio técnico no acesso às aulas, tanto dos alunos como dos professores, o que o faz estar sempre em contato com seu grupo de trabalho, muitas vezes fora do horário de aula, tarde da noite e aos fins de semana, pois muitos pais precisam de ajuda no seu tempo de recesso.

Eu sou professora de segundo ano, e atendo a turma diariamente online. Tem 24 alunos, nem todos alfabetizados, o que requer dois ou mais planejamentos para atender a todos. A rotina começa às 13h com atividades de reforço, segue com toda a turma das 13h30min às 15h, e segue com o reforço e atendimentos individuais online, pois todos os alunos têm acesso e equipamentos para as aulas.

Muitos pais, pela rotina de trabalho, requerem atenção e auxílio à noite ou no fim de semana, o que não se nega, pois a ajuda dos pais faz toda a diferença na participação da turma nas aulas.

Os sábados são o momento da professora ser youtuber, pois, para cada aula, é feita uma animação no PowerPoint e é gravado um vídeo explicativo. Essas gravações são pensadas para que o aluno possa acompanhar a aula, dando pausa, retornando a explicação e, aos poucos, conquistando a autonomia.

Enfim, a rotina da casa foi toda adaptada, e o maior desafio é a internet, que nem sempre colabora, pois são três pessoas usando ao mesmo tempo. Transformamos nossa casa em espaço escolar, e nosso ponto de encontro é a cozinha, nosso refeitório. Mesmo distantes da escola, não nos sentimos isolados, nossos alunos estão muito próximos, nos vemos diariamente, conversamos com os pais sempre que requisitados, e nossos colegas estão presentes em nossa casa, ouvimos suas vozes também diariamente.

Fotos professores: arquivo pessoal

Foto principal: Jcomp