Podendo já estar aposentada, a médica Rosemari Werlang optou por não abandonar os caçapavanos na pandemia, e foi premiada sendo a primeira pessoa vacinada contra a Covid-19 no município

 

A médica Rosemari Werlang foi a escolhida para ser a primeira pessoa a se vacinar em Caçapava, representando os profissionais da saúde que atuam na linha de frente no combate à Covid-19. Em seu discurso na cerimônia que marcou o início da vacinação, o prefeito Giovani Amestoy disse que ela poderia ter se afastado do serviço, mas não o fez.

– Eu poderia ter me afastado porque já tenho tempo para aposentadoria. Não me aposentei por opção. Além disso, eu sou diabética, então, estou no grupo de risco. Mas, se é a hora que precisa do trabalhador da saúde, como é que eu vou me omitir? Essa é a hora que precisam da gente – explicou.

Rosemari esteve afastada do trabalho alguns dias por ter tido contato com sua filha Mileni, que se contaminou quando fazia estágio.

– Assim que ela soube, a gente parou as atividades, fizemos exame e nos afastamos do trabalho. Nesses dias já saiu que eu estava com Covid, mas, na verdade, não tive – contou.

Natural de Passo Fundo, cidade onde também se formou em medicina, em 1986, na Universidade de Passo Fundo (UPF), Rosemari vive em Caçapava desde 1998, quando veio acompanhar seu marido, Flávio, que foi nomeado para atuar no município como oficial de justiça. Eles têm duas filhas. A mais nova, Daiane, tem 16 anos e ainda está na escola. Já a mais velha, Mileni, de 26, seguiu os passos da mãe e se formará em medicina este ano.

– A Mileni sempre me perguntava “ah, o que tu quer que eu seja, mãe?” Eu respondia que queria que ela fosse feliz. Até que, um dia, ela disse “ah, mãe, vamos terminar com essa historia de ser feliz e me diz o que eu poderia ser”. Nesse tempo, ela estava muito envolvida em querer ser jornalista. Nós ficamos muito felizes e demos a maior força. Mas, quando ela estava terminando o terceiro ano do ensino médio, decidiu fazer vestibular para medicina e, sem dúvidas, demos o maior apoio. Para mim, esse é um motivo de satisfação muito grande. Não tem preço quando tu vê que o teu filho segue os teus passos – relatou Rosemari.

Mileni conta que decidiu seguir a profissão da mãe porque, junto a seus colegas de escola e à professora de Biologia, foi a uma exposição em Porto Alegre sobre o corpo humano.

– Foi lá que me encantei pela máquina incrível que carregamos. Aliado a isso, durante toda a vida, vi minha mãe trabalhando arduamente, e acredito que isso também me incentivou a decidir cursar Medicina – disse.

Mileni teve bastante medo por a mãe ter seguido trabalhando durante a pandemia, principalmente por ela ser do grupo de risco.

– Acredito que ela teve muita coragem por ter continuado enquanto muitos profissionais decidiram se distanciar. Quando escolhemos ser médicos, juramos estar ali pelos pacientes, sempre na linha de frente seja qual for a patologia. Então, o fato de minha mãe ter trabalhado durante a pandemia, para mim, mostra a incrível médica que ela é. E é nessa coragem e persistência que me inspiro todos os dias para ir para o hospital – declarou.

 

Rosemari e Mileni trabalharam juntas antes da pandemia

 

Rosemari trabalha com saúde pública desde que terminou o período de residência médica.

– Fiz residência em clinica médica em Passo Fundo nos dois primeiros anos. Depois, fiz ginecologia e obstetrícia na Santa Casa, em Porto Alegre. Deste então, trabalhei em Cachoeirinha e Gravataí, sempre em saúde pública. Depois, trabalhei em Lavras do Sul, Caçapava e São Sepé – contou.

Em Caçapava, Rosemari trabalhou por 20 anos no Pronto Socorro e, atualmente, atende na Policlínica Municipal, em um posto de saúde, no Hospital Dr. Victor Lang, onde faz plantão de sobreaviso obstétrico, além de seu consultório particular. Com base em toda sua experiência, a médica se diz confiante na vacinação contra a Covid-19.

– Eu confio como em todas as vacinas que teve até agora. Então, tranquilamente eu fui fazer a vacina, e acho importante ser um exemplo. Fiquei muito feliz de ser convidada. As pessoas têm que confiar na ciência – declarou.

Rosemari conta que foi a primeira pessoa negra a se formar em medicina na universidade que frequentou. Engajada nas questões da comunidade negra, ela acredita que essa é uma obrigação sua devido ao racismo existente. Comparando sua cidade natal com Caçapava, ela diz que, em Passo Fundo, a divisão se dá mais no âmbito financeiro, ao contrario daqui, onde ocorre pela cor da pele.

– Nós temos que lutar e nos engajar só pelo fato de sermos negros. Comigo, nunca houve nada que eu tenha percebido. Já houve uma evolução aqui na cidade. O que eu soube, eu fui a primeira pessoa a se voluntariar para participar dessa discussão. Hoje em dia, nós temos uma mudança, que é muito singela, mas já temos uma mudança na sociedade. A primeira vez que eu fui ao clube, eu só via pessoas negras na chapelaria, de garçom, e eles não podiam sequer dançar. Acho que Caçapava já melhorou um pouco, mas precisa melhorar mais. E o nosso caminho, das pessoas da minha raça, é a escola, a universidade, essas coisas que modificam – declarou.

Para a médica, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o melhor sistema sobre o qual ela tem conhecimento, e é dever dos profissionais da saúde e da comunidade valorizar o SUS.

– Nos Estados Unidos, eles têm o dobro de mortalidade porque eles não têm um sistema de saúde para todos. O SUS não é apenas atendimento de consulta médica. Nós todos usamos o SUS quando usamos saneamento básico, vigilância sanitária. Quando nós vamos ao supermercado, quem coordena a vigilância dos alimentos que a gente compra é o SUS. Toda a vacinação é SUS, transplante é SUS, medicação para doenças mais raras, todo o atendimento Covid, tudo que é saúde pública é SUS, independente da etapa – explicou.