Janeiro sempre me pareceu o descortinar de um palco que me traria muitas surpresas. Ah, como o aguardava, cheia de esperanças de um recomeço feliz. Era o início das férias escolares, o fim dos exames tão longos e desgastantes, quando minha mãe me enchia de cuidados para eu recuperar as cores e a saúde enfraquecida. Em uma semana de volta à casa, eu já ficava curada, pronta para gozar as férias.

Ah, janeiro do meu vestido cor-de-rosa, que estreei no primeiro dia! Lembro até do seu cheiro característico de crepe e de sua textura macia.

Bem antes, ainda na infância, era o momento de rumarmos para a charqueada dos dindos, nosso paraíso encantado. A caminhonete lotada de gente e de materiais – até uma máquina de costura – fazia não me lembro quantas viagens. Na subida do Amorim, muitas vezes, tínhamos que descer e empurrar. Tudo era folia para nós, mas o Dindo é que sofria com as maniveladas que tinha que dar.

Lá, tínhamos de tudo: mesa farta, frutas, leite na mangueira, banhos no rio ou na lagoa. E os brinquedos debaixo das figueiras copadas, onde não entrava um fiapinho de sol. Este só na frente da casa, no jardim, quando queríamos um bronzeado. Mas o calor da cidade não chegava aos pátios com todas aquelas árvores

O cinamomo nos fundos era ladeado por uma mesa de pedra onde fazíamos as refeições. E ainda sombreava as redes e as cadeiras preguiçosas para as horas de leitura.

Monteiro Lobato e suas histórias de Caçadas de Pedrinho nos inspiravam para as inocentes aventuras que planejávamos!

Além disso, janeiro era quando comemorávamos o meu aniversário. Vinham, da cidade os amigos mais chegados e passavam o dia com suas crianças, e nós tínhamos o tempo todo para brincar.

Churrasco de cordeiro, com saladas gostosas e outros pratos, depois a sobremesa, não faltavam nunca. Os Dindos gostavam de receber visitas e comemorar, e eu era agraciada com isso.

Janeiro com meus filhos na praia! Quantos momentos felizes de sua infância vivemos juntos.

E, na casa paterna, filhos, netos e até bisnetos se reuniam para o aniversário de meu pai, o Vovô querido de todos. Nossas tias, suas irmãs, sempre presentes nestas datas.

Ah, janeiro do cheirinho de flor da árvore do Clube Recreativo – não sei se é corticeira –, que prenunciava o início do verão. E, dos pátios, vinha o aroma das figadas e marmeladas nos tachos. Agora, esses doces são industrializados, não têm o mesmo sabor.

Os tempos são outros, quantos janeiros em minha vida. O que não mudou foi a minha vontade de viver e de esperar que cada novo ano seja melhor que o passado. E desejar poder fazer algo para ajudar quem precisa e colaborar para um mundo melhor.

Esse desejo vem mais forte do que nunca neste ano de expectativas da vacina que nos livrará do tormento do ano que passou. Oxalá nosso sofrimento tenha servido para aprendermos o que vale mais na vida, o amor, a união, o perdão, a pessoa.

Precisamos de tão pouco para sermos felizes e levarmos a alegria aos nossos irmãos!

Meu Deus, obrigada pela minha longa vida. Obrigada, minha família, pais, tios, Dindos, manos, sobrinhos e suas proles. Obrigada, amigos queridos que estiveram sempre ao meu lado nos bons e tristes momentos. Obrigada, minhas ajudantes domésticas e àqueles que me prestam serviços. Todos tão solícitos. Minha vida tem sido rica de amores.

Obrigada, meus leitores, que acompanham minhas reminiscências e fantasias, que transmito semanalmente. À Gazeta, que me acolheu e aos queridos funcionários.

A todos, os meus votos de um feliz recomeço neste 90º janeiro de minha vida.